A indústria de viagens e mobilidade foi severamente afetada pelas restrições de circulação para conter o avanço do coronavírus, e a adaptação à novas realidade gerou mudanças fundamentais no comportamento dos viajantes.
Muitas empresas adataram-se rapidamente ao trabalho remoto, principalmente as que já tinham a tecnologia integrada no dia a dia e não precisaram criar recursos da noite pro dia.
Tudo isso gera alguns questionamentos sobre como será o futuro das viagens corporativas. Tudo voltará ao “normal” depois que o vírus for controlado e uma boa parte da população imunizada? Ou as videoconferências vieram para ficar e extinguirão completamente as viagens corporativas? Embora não seja possível prever o futuro com certeza, é muito provável que nenhuma das opções acima seja verdadeira.
Nesse artigo, o hub de inovação da Lufthansa (TNMT), com seus inúmeros especialistas, traçou 10 fatores (ou hipóteses) com níveis de certeza variáveis que determinarão o futuro das viagens corporativas.
1 – O trabalho remoto veio para ficar com uma força de trabalho distribuída globalmente.
A maior parte do grupo de especialistas ouvidos (57%) considera que é muito provável que empresas de todos os tamanhos, mundo afora, construam uma cultura amigável com relação ao trabalho remoto permanentemente, após o fim da pandemia. Outros 29% consideraram a possibilidade provável e 14%, possível.
De acordo com eles, esse fato será acelerado por:
- uma cultura amigável com relação ao trabalho remoto nas empresas;
- o marketing de destinos de viagem como propícios ao trabalho remoto para atrais nômades digitais;
- a possibilidade dos colaboradores podem se mudar dos grandes centros urbanos para cidades com menor custo de vida e menos populosas.
Muitos especialistas também antecipam uma maior flexibilidade por parte das empresas com relação a horários e locais de trabalho, permitindo que o colaborador escolha a opção que faz mais sentido em seu caso.
Uma tendência irônica de tudo isso é o estímulo a reuniões presenciais dentro da própria empresa, para estimular a interação social de times que trabalham exclusivamente de forma remota. Agora com a força de trabalho distribuída globalmente, será preciso exercitar o sentimento de pertencimento de outras formas.
2 – A interação virtual complementa a viagem corporativa, levando a um futuro híbrido.
Com o avanço da comunicação nos próximos anos, a interação virtual será cada vez mais aceita nas empresas. Isso é visto por alguns como facilitadores de novas oportunidades que complementarão as viagens corporativas e, por outros, como um possível substituto que se apresenta como uma ameaça à indústria.
Ambas as possibilidades de fato existem, mas a primeira é infinitamente mais provável. Já falamos aqui no blog sobre concordarmos com Bill Gates: 50% das viagens corporativas devem acabar. E, ao contrário do que muitos imaginariam, isso vai exatamente de encontro com o que sempre defendemos.
A previsão mais aceita é o avanço das formas híbridas de interação humana, com uma combinação de interação virtual com reuniões presenciais tradicionais. As conferências globais devem diminuir em número de participantes presencias, mas crescer em canais virtuais, vistos como complementares, em vez de substitutos. Dos especialistas ouvidos, 48% consideram muito provável que isso aconteça, 38% consideram provável, 5% consideram possível e 10% pouco provável.
Embora tenham limitações, os eventos virtuais estão se desenvolvendo e melhorando, e são portas de entrada para a participação de pessoas que não teriam condições de viajar, por tempo ou custo.
3 – A substituição das viagens de negócios por tecnologia é inevitável.
Seguindo a lógica da hipótese nº2, o consenso em relação à substituição das viagens corporativas por reuniões virtuais não existe. Enquanto alguns apontam para a alta adoção de reuniões virtuais durante a pandemia como um indicativo de mudanças permanentes, outros alegam que não há maturidade tecnológica na maioria das empresas para substituir as viagens.
De acordo com a pesquisa, 43% dos entrevistados consideram improvável que os avanços na tecnologia serão capazes de substituir a maior parte dos motivos de viagens corporativas.
É o que defende o Dr. Wouter Geerts, da Skift, e já dito aqui no blog:
“Não se trata apenas de estar na mesma sala, mas também de demonstrar comprometimento. E se você estiver trabalhando em um contrato multimilionário e propor uma chamada de zoom, enquanto seus concorrentes voam para ver o cliente em potencial pessoalmente. Quem você acha que parece mais comprometido?”
Com a chegada do 5G, problemas como a latência serão solucionados, mas a necessidade de se criar relacionamentos e conexões humanas ainda são pontos em que a indústria de viagens tem como vantagem.
Viagens com motivos que exigem maior colaboração e confiança entre as partes serão muito mais difíceis de serem substituídas por ferramentas tecnológicas no longo prazo, já que é praticamente impossível replicar a experiência que se tem pessoalmente.
4 – Espera-se uma diminuição duradoura de todas as viagens de negócios, mas ela difere em magnitude entre os motivos de viagem.
Especialistas preveem uma queda em todas as categorias de viagens no mundo pós-pandemia. Quedas mais acentuadas em áreas como conferências e exibições, viagens de incentivo e treinamentos corporativos. Apenas cenários em que a presença física é crucial foram apontados como prováveis de não haver mudanças.
Para Lio Chen, Diretor Administrativo do Centro de Inovação de Viagens e Hospitalidade na Plug & Play, em vez de todos os viajarem para a matriz para um evento (por exemplo, um treinamento), é bem mais provável que um especialista viaje para regionais para oferecer o treinamento. Esses profissionais que viajarão, irão definir uma nova categoria de viagens que não existia no mundo pré-COVID.
5 – As restrições de viagens e a confiança do viajante abalada estão impulsionando fortemente a diminuição e a substituição tecnológica das viagens de negócios.
Não é surpresa nenhuma, mas na opinião dos especialistas ouvidos, o grau de substituição das viagens corporativas pela tecnologia foi acelerado pela pandemia do Coronavírus, sendo acentuado pelas restrições de viagens, pelo crescente medo de infecção e a perda da confiança do viajante, de forma geral. Chegar a um consenso sobre a duração desses efeitos é difícil, por isso há um nível baixo de certeza.
A única coisa que dá pra ter certeza é que todas essas mudanças no dia a dia do trabalho afetarão o mercado das viagens corporativas. Os especialistas preveem uma redução na frequência das viagens no período logo após o retorno ao “normal”.
“Alguns viajantes em potencial ficarão desanimados por medo, mas as empresas buscarão inspirar confiança por meio de comunicação e políticas. Outros ficarão ansiosos para viajar novamente, pois desejam a experiência e a colaboração, desde que seja comprovado que é tão seguro quanto ir para o escritório. ”
Torsten Kriedt, Vice-presidente sênior de soluções e produtos para a Europa na BCD Travel.
6 – O dever de cuidar é agora um fator de higiene que pode abrir novas oportunidades para novos serviços.
Especialistas preveem um provável aumento na importância do dever das empresas de cuidar dos viajantes, mesmo após a pandemia, se tornando um dos principais fatores que devem ser cumpridos para possibilitar as viagens corporativas. Alinhado a isso, há a abertura no mercado para novos produtos e serviços que ajudam os colaboradores a cumprir com esses deveres.
Para 38% dos especialistas ouvidos, é possível que a saúde do colaborador (incluindo a mental) se torne mais importante após a pandemia, ligando-se a uma disposição das empresas em investir nesses elementos. Para outros 38%, o cenário é provável. E 19% consideram muito provável.
Eles acreditam que haverá um aumento mais acentuado nas pequenas e médias empresas, que anteriormente podem ter deixado o assunto de lado.
Em resumo, acreditam que o dever de cuidar se tornou um fator de higiene, e não mais um “bônus”. As empresas precisarão colocar mais ênfase nas obrigações morais e legais para proteger os colaboradores. Os viajantes precisarão se manter informadores e cientes do processo.
7 – A mudança para incluir políticas de bem-estar para a satisfação dos funcionários e retenção de talentos continua.
As políticas de bem estar, tanto no escritório quanto em viagens corporativas, já estavam em alta antes da pandemia. Algumas empresas usavam isso como meio de retenção de talentos, visando os valores da geração que hoje é maioria no mercado de trabalho: os millennials.
A flexibilidade em itinerários de viagem, a permissão da inclusão de bleisures, subsídios para comida saudável, inscrições em academias internacionais e a possibilidade de escolher acomodações diferentes, em vez do mesmo hotel corporativo de sempre, são exemplos de práticas de bem estar.
Dos entrevistados, 57% acreditam que a adoção dessas práticas e a capacidade de medi-las serão fatores esperados dos empregadores e decisivos para a satisfação dos colaboradores.
8 – Os viajantes podem ter uma compreensão e consciência mais amplas da sustentabilidade, mas ainda não está claro se as empresas agirão com base nisso.
O movimento #travelshaming foi impulsionado pela agenda climática e inspirado pela travessia de Greta Thunberg no Oceano Atlântico. Há pouco consenso entre os especialistas sobre o impacto da COVID na política de viagens corporativas em uma perspectiva de sustentabilidade, mostrando que as agendas climáticas e de saúde têm implicações diferentes para as viagens de negócios.
“O movimento foi real, mas não tenho certeza de quanto efeito isso teve no comportamento real de viagem (particularmente fora da Escandinávia, e particularmente para viagens de negócios). O mesmo se aplicará após a crise. Haverá perguntas, mas não temos certeza de quantos efeitos palpáveis veremos.”
Dr. Wouter Geerts, Analista de Pesquisa Sênior da Skift Research.
Embora as preferências do consumidor estejam mudando com a maior consciência sobre o tema da sustentabilidade, os especialistas acreditam que a maioria das mudanças no comportamento do usuário ou na política de viagens serão impulsionadas por pressões regulatórias dos governos.
O empoderamento dos viajantes
Dar ao colaborador o poder de gerenciar as próprias escolhas de viajens já foi identificado como uma tendência anteirormente. Inclusive, falamos sobre a importância disso no post sobre plataformas self-booking. Na visão dos especialistas, esse empoderamento está em consonância com essa tendência de sustentabilidade e geram mais dois insights.
9 – Embora as viagens continuem a ser regulamentadas no futuro próximo, os viajantes se tornam cada vez mais empoderados devido ao cuidado e a plataformas self-service.
O surto mundial da Covid causou uma interrupção repentina nas viagens de negócios com fronteiras fechadas e restrições rígidas de circulação. No entanto, a pandemia não é uniforme em todo o mundo. É possível observar grandes diferenças regionais na magnitude da infecção, no momento em que as ondas acontecem e na eficácia das medidas de controle. Dos especialistas ouvidos, 62% chegaram a um consenso de que, em um futuro próximo, as regras e regulamentações de viagens se tornarão cada vez mais voláteis e restritivas devido aos diferentes caminhos de recuperação em cada país e à falta de coordenação internacional.
Embora a viagem como um todo esteja sujeita a cada vez mais restrições, o oposto pode ser verdadeiro para viajantes no que diz respeito a decisões de viagem. Os especialistas veem uma mudança no sentido de capacitar os funcionários a tomarem decisões de viagens voluntárias no curto prazo.
“No curto prazo, as viagens serão limitadas às essenciais, mas uma vez que a crise seja resolvida, as viagens vão se intensificar novamente, pois a tecnologia não pode substituir o valor das reuniões cara a cara para fazer negócios acontecerem e construir relacionamentos. Vemos a demanda reprimida já nos mercados domésticos, onde as restrições de viagens foram suspensas. ”
Renaud Nicolle · Vice Presidente Sênior, Business Travel APAC na Amadeus.
Conseqüentemente, o advento dos serviços digitais self-service parece bastante certo, e pode-se imaginar um futuro no qual os viajantes de negócios administrem suas viagens inteiramente por conta própria, com ferramentas digitais. No entanto, muitos especialistas apontam algumas limitações do autoatendimento e enfatizam a necessidade de pontos de contato humanos em alguns requisitos de serviços complexos.
10 – Um modelo híbrido integrando as ferramentas self-service e o toque humano provavelmente continuará para o gerenciamento de viagens de negócios.
“Essa era a tendência antes da Covid-19 e vai continuar depois, onde o viajante deseja poder fazer o máximo que puder por conta própria, quando e onde quiser, tendo acesso a informações personalizadas e relevantes. Mas eles também desejam ter acesso a especialistas em viagens através dos mesmos canais, caso desejem. ”
Renaud Nicolle · Vice-presidente sênior, Business Travel APAC na Amadeus.
Considerando o crescimento das plataformas digitais de self-service, com suas limitações e as preferências dos viajantes de negócios, o painel de especialistas aponta para um futuro praticamente certo do modelo híbrido, integrando a plataforma digital com a certeza de que haverá o calor humano para resolver qualquer problema que possa vir a surgir.
Conclusão
A pandemia atual não é a primeira que atingiu o mundo e certamente não será a última. As viagens corporativas retornarão, assim como retornaram nas outras vezes, mas possivelmente diferente do que estávamos acostumados.
Com esse estudo da TNMT, juntaram as maiores mentes da indústria para representar as mais diversas visões do mercado e oferecer um norte para o futuro das viagens corporativas. As tendências encontradas com nível alto de certeza servem como guia para o planejamento das estratégias dos mais variados atuantes do setor.
“Por último, mas não menos importante, o futuro não é predeterminado, mas é a consequência de todas as nossas ações. Podemos, e devemos, moldá-lo em conjunto para tornar as viagens de negócios pós-covid melhores do que nunca.”
TNMT
O artigo original (em inglês) pode ser visto aqui.